sábado, 15 de março de 2014

Transfigurada




Sim, encontrei com a morte faz pouco tempo, cabelo esvoaçante, usando um jeans rasgado, camiseta branca bem informal, parecia despretensiosa, mais tranquila e terna do que eu poderia supor, porém, misteriosa e sorrateira, ela me disse: estás transfigurada!!! Quem eu? Eu? Por que?

Eu nunca me senti tão bem quanto nos últimos tempos. Como assim? Visita inoportuna, fora de hora, achei.
Logo você morte, vem me dizer isso!

Sim, transforma-se todo o ser que encontra vida nova, outra vida, vida reencontrada!

O que houve?

Você mudou de feição, de figura, de conduta, de perspectiva, transformou tudo, estás até com a aparência alterada, transfigurou-se ué! Mais bonita, com o coração mais redondo, parece bater mais forte agora, vejo-o sob o relevo do teu peito. Sim vejo, nitidamente, está bem diferente, ampliado. Sim, percebo reluzir os olhos, a pele, o sorriso. Nasceste de novo, perguntou a morte?

Não gosto de conversar com ela, mas gosto dos enunciados desta conversa, continuo.

Porra, devo estar louca neste diálogo com a morte, só loucos conversam com a morte. Teimosa, continuo mesmo assim...

Ouço seus prenúncios, quero saber mais sobre esse pedaço de vida bom! Diga aí, por que parou pra conversar comigo?

Putz, rapidamente me arrependo, coloco a mão na cabeça e penso rápido. Puta-que-o-pariu! Já sei, não tô louca, morri, é isso! Não quero continuar esse papo.

Eis que a morte chega mais perto e, carinhosamente me abraça e diz bem de mansinho perto do meu ouvido:
Minha cara, algo em você morreu para que boas novas pudessem nascer em sua vida. Você enfim se encontrou com as mãos vazias, com sentimentos mortos, comportamentos exterminados, processos em falência e lágrimas derramadas pelo luto de tudo e de quem se foi. Nada disso te servia mais. Enfim você desapegou-se, morreu, largou tudo para trás ou deixou tudo seguir seu fluxo, para nascer, sem razão, novamente. Desrazoável enfim, você renasce num reencontro e o amor nasce neste encontro. Encontro com quem? Perguntei à morte.

Ela responde prazerozamente: com a vida meu bem.  E ela continua:

Se alguém penetrou de mansinho em sua alma e te fez viver os seus melhores poemas imaginados, você nasceu, enfim, pra vida novamente.

Se você acordou surpresa por querer dar o melhor de si a alguém, você amou de novo.

Se esse amor trouxe calma e frescor para sua alma cansada, você renasceu espiritualmente.

Se você é acolhida em seus ataques mais obscuros de fúria e medo (sejam eles revelados ou não), você encontrou quem realmente te quer bem.

Se alguém te aceita mais em suas indagações, em seus devaneios, defeitos e feitos, do que você mesma, você encontrou enfim, o amor da sua vida.

E a morte disse, abraçe-o, apenas viva isso e tudo que você sempre buscou, te encontrará. Desta vez, não mande a morte e nem o amor ir embora por sentir medo, apenas deixe morrer em você tudo que não pertence a sua transfiguração atual, às suas mudanças e metamorfoses necessárias. Porque sobre o amor e a morte há mais mistérios do que a nossa compreensão pode alcançar. E ela continua: somente quando encaramos a morte (de algo em nós, alguma coisa ou de alguém em nossas vidas), é que realmente vamos pra vida!

“Senhoras e senhores
Trago boas novas
Eu vi a cara da morte
E ela estava viva
Eu vi a cara da morte
E ela estava viva - viva!”
Cazuza



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