sábado, 25 de setembro de 2010

Já temos agenda para o próximo ano

Corre pra lá, depois pra cá, entre um intervalo e outro das funções laborativas, faço as ligações pendentes, lembro de comprar o remédio do meu filho, deposito um cheque no banco, respondo um e.mail, mostro que estou viva nas redes sociais digitais, leio um parágrafo do livro que quero terminar, contabilizo os meses e dias que larguei o cigarro, e... as unhas, não deu tempo, vai ficar por fazer. Ah, faltou ainda um monte de coisas e o dia já começa a dar sinais de que está por terminar e ainda, os cabelos brancos insistem em se expressar logo após a primeira semana do retoque da tintura. Certamente, um monte de coisas serão lançadas para a lista de afazeres de amanhã. 

Fico me perguntando o que é o tempo, como vivemos o tempo? Viajo pensando que ele não existe e nem é vivido, é apenas sentido. Estou envelhecendo, sinto que ele passa por mim e percebo que passo por ele, em alguns momentos nos encontramos. Às vezes não nos alcançamos, nem nos falamos, muitas vezes acho que não o toco, outras esqueço a minha idade. Tem dias que o cumprimento e o abençoo e outros que simplesmente o odeio, nem falo com ele, penso que ele não existe. Tem horas que até sentamos para conversar um pouco, em outros instantes só dá tempo de acenar um "tchau". O que importa mesmo é ter aprendido a não capturá-lo, mas sim a degustá-lo no ato vivido, sentido. Sinto-me muitas vezes como criança, outras com centenas de anos, em alguns fragmentos prepotente como adolescente, como se domasse o tempo. Adoro esse jogo perturbador do tempo em relação aos pensamentos, intenções e desejos. Às vezes tudo está desencontrado e outras bem bagunçado. Dificilmente tenho tudo arrumado, organizado, dentro de mim, no meu tempo e na minha vida.

O tempo para uma amiga no CTI, com a mesma idade que eu, com centenas de histórias e lembranças da infância, com saudades do que vivemos juntas e agora impregnado de compaixão, parece eternizar-se naquele hospital. Se ela estivesse aqui estaria vivendo, imagino, de forma atribulada, eletrizante e eletrizada, como eu, como a maioria de nós. Mas, fato é que está lá, adormecida numa cama de hospital e nós, apreensivos, a esperar por qualquer sinal de melhora, de recuperação. Como deve ser ficar entorpecida, insensível ao tempo que passa aqui fora, sem poder “governar” o seu próprio leme, o seu próprio tempo? Isso cruelmente tem mexido comigo, com a minha noção de tempo e, vem bagunçando ainda mais os meus botões, que já não são muito bem ajustados.

E nós, será que “gerenciamos” de verdade o nosso tempo? Os especialistas em RH dizem que sim, que isso é possível. Fazem apologia à gestão do tempo como se, aquele ou aquela que não consegue dar conta de tudo, é incapaz de estabelecer prioridades. Mas, quais são as prioridades, o que é mais importante para cada um de nós? Dar conta dos relatórios ou perder-se no tempo em um piquenique com o filho em meio aos sorrisos e festejos? Entregar-se ao ócio no fim de semana ou ser o primeiro funcionário do mês? Dedicar uma tarde para escrever uma poesia ou organizar todas as pendências para estar com “tudo em dia” para o início da semana? Curtir a noite ou aproveitar o dia seguinte cedinho com disposição? O dia tem 24 horas, nem um minuto a mais e nenhum a menos para ninguém. Questões, escolhas, formas de viver o tempo... Cada um o vive a seu gosto, de acordo com a sua preferência...

O que é o tempo? A expressão das rugas? A proximidade da morte? Intervalos ou períodos de duração? Ilusão, dimensão, calendário, lembranças, histórias, relógio? Plasticidade, simplicidade, engrenagem, passagem ou complexidade? Quem é esse tempo feroz que não se repete e que anuncia, que cada segundo passado não voltará? Se o tempo não se repete, nós também não. Então, cadê nós? O que passou já se foi, o que é agora já não será mais no próximo segundo, e o que será amanhã? Não sei, mas "Já temos agenda para o próximo ano".

Peraí, eu nem consegui cumprir todas as promessas e projetos idealizados no Reveillon passado e a papelaria já anunciou no cavalete na calçada: “Já temos agenda para o próximo ano”. No shopping, a vitrine enfeitada com árvores, luzes e bolas coloridas de Natal, anuncia que o Papai Noel já está a caminho e com ele o novo ano que se aproxima. Puta que o pariu!!!! Isso é muito sério porque eu ainda nem dei conta de todas as metas desse ano...

É isso, preciso voltar a aprender como era ser criança. Papai Noel, infância, expectativas pueris, experiências inusitadas, desejos simples, vontade de presentes, de viver o presente, a espera de surpresas... Crianças pequenas não tem noção de tempo e aquele que manifestou a loucura pode perdê-la. Talvez as crianças e os loucos sejam aqueles que mais sabem lidar com a vivência do tempo, pois só se dão conta dele como fator limitante e finito, quando o espetáculo acaba , quando a festa se encerra, quando as cortinas se fecham ou quando a vela do bolo é apagada. Enquanto isso, fato é que eles sabem viver o presente de forma infinita.

É bom ser criança ou tornar-se louco, só assim o anúncio: “Já temos agenda para o próximo ano” torna-se insignificante. E daí? As crianças e loucos não estão nem aí para as agendas que já estão sendo vendidas para o ano que vem. Eles não se perguntam se o beijo de hoje tem gosto de "e amanhã como será?". Eles simplesmente beijam com gosto de infinitude. E o abraço termina quando acaba, quando os músculos simplesmente e de forma espontânea desapertam o amasso, que deu laço nos braços e, enquanto isso, os braços estavam eternamente abertos para o outro entrar e depois, para sair, quando assim, fosse da vontade. E tudo isso é de uma beleza sem fim, sem agenda, sem prazo...

Então fodam-se as agendas para o próximo ano. Deixe-me meditar sobre o essencial e o insignificante. Deixe-me sozinha para vislumbrar a fugacidade do tempo e, inseguramente minha própria imagem desconcertante, mutável, fugaz...

E, por favor, deixe-me sem agenda para o próximo ano!!!