quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Princesas e pelejas


Vento forte é sinal de mudança, ventania então é pra deixar tudo de pernas pro ar. E deixa mesmo. Fosse calmo as nuvens não traziam chuva e depois dessa, o sol não chegaria. Precisa de vento, muito vento… Hoje pela manhã foi assim. O tempo virou no início da semana, mas só hoje é que as mudanças ocorreram e junto com elas, silêncio no tribunal. A vida precisa disso, um pouco de mentira, de cinismo, de coisas fora de ritmo e lugar, e assim, talvez eu entenda alguns discursos e leia alguns acontecimentos, talvez, ainda não sei, preciso ouvir o eco do meu silêncio.

Aí lembrei que a primavera chegou, quase bela, trazendo às vitrines, às ruas, vestidinhos de princesas, coloridos, floridos, estampados e o sonho da estação das flores, com o desejo que tudo floresça e pareça tão lindo quanto esta época.  Mas, como tudo na vida, tem a parte II. Então vejamos, que merda nos aguarda nessa reflexão de primavera, princesas e pelejas?

Essa síndrome de princesa, a necessidade de que a vida imite os contos de fadas, já virou na verdade um transtorno na vida de cada um de nós, homens e mulheres, mortais, já que não somos deuses, nem semi-deuses e não cabemos em contos de fadas, se é que eles ainda cabem em nós. Ainda bem que não, acho!!! Eles são tão pequenos e insuficientes diante da complexidade de nossas demandas afetivas, emocionais, psicológicas, sexuais! Como realizar tamanha incompletude???

“Bela, acorda!!!” Acordei com esse vento,  berros e um chute na bunda do meu inconsciente, que continuou: “abra a porta, um novo momento se abre diante de nós, você precisa escrever sobre isso!”. Eu juro que tento escrever de forma séria para elevar o assunto e falho sempre, miseravelmente. Bela e às vezes fera, quando necessário, adormecida, quase nunca.  O fluxo da conversa seguiu, num papo descontraído, com a conclusão de que o complexo de cinderela já era, fora atualizado pela história do filme "Uma linda mulher". Gata borralheira jamais, seja uma gata na esteira. Rapunzel presa na torre só pode ser uma piada de mau gosto. E as tranças viraram cordas que a levaram à escaladas bem mais radicais. A mulherada de hoje é adepta mesmo da prática de rapel. E a Rapunzel? Se estrepou ou teria sido o príncipe que... Bem, dizem que ela pegou piolho, cortou as madeixas e trocou o príncipe por uma mulher. Com o que sobrou das tranças, o príncipe que era "encantado" virou um transviado. Ou um viado? Não se sabe ao certo...

Oi????  E onde estão todos os princípes, os sapos, os beijos que acordam as princesas da Disney, os contos de fadas, as fodas que contam, ops???  Está na hora da menina dos sapatinhos vermelhos desfilar linda como um diabo que veste Prada. Branca de neve é o caralho! Seja mesmo a branca (ou preta ou índia ou cabocla) de verve!!!! Foda-se, não importa a cor. Dormir com sete anões, nem pensar!!! Com um já seria bizarro!!! Demilivre… A mulher de verve (e não de neve que se derrete toda) é uma entusiasta com a vida. É a mulher que usa o seu potencial de falar, pra fazer e escrever de forma espirituosa, inteligente, criativa e com senso de humor. O bom é ser a mulher maravilha, maravilhosa, elástica, que com toda a sua vitalidade e plasticidade, usa a sua flexibilidade e inspiração pra ser feliz e melhorar o mundo! Princesas de contos de fadas, não contam as fodas, principalmente as ruins… Então como vamos aprender com elas? Elas tem sina e destino, tudo prontinho! Pessoas reais tem vida e menos um pino!!! Tudo a ser construído de maneira singular, sem formas e fôrmas…

As princesas encantadas ficam a espera ou em função de um “princípe”, que a salvará pra todo e sempre do mal, elas costumam ser  pegajosas, piegas, mansas e bem suaves quando se trata de conseguir o que querem e vivem perguntando: “o que você quer que eu queira pra eu querer também?”. Que coisa mais flagelada e pollyannamente babaca!!! E as outras? As outras são as tais “mulheres malucas”, “instáveis”, “verdadeiras feras”, com pouca doçura (às vezes) e cabelos nas ventas (muitos), diante das insanidades do seu par, da proteção da cria e das injustiças do mundo.

Pois é, talvez seja perigoso ser gente de verdade. Ter que decidir por si e não colocar a vida na mão do outro, decidir pelos perigosos talvezes… E de quebra, suportar os reveses que a vida nos reserva. Dúvida, tormento, medo, é pra quem arrisca, morde a isca, ousa e petisca. É pros loucos!!! Aos medíocres, um brinde às “certezas” e às convicções  afetivas, políticas, de tempo, de espaço, de vida, que observa e  aguarda sobre a mesa, o prato pronto, imóvel, estático, equilibrado, fado, parco, porco, enfadado.

Os especialistas no comportamento humano e, dizem que estou entre eles, afirmam que as duas maiores necessidades do ser humano são: segurança e variedade. Putz, estamos lascados então, porque uma desqualifica ou praticamente invalida a outra. Se precisamos da certeza, da segurança, por que então sairíamos em busca de variedade? E se, estamos vivendo a procura do baleiro sortido pra pegar “a bala mais gostosa do planeta”, por que sentimos a falta do porto seguro? Bicho, ser humano é muito doido e os especialistas são seres humanos, produzidos por toda essa loucura também. Então, ninguém sabe o que diz...

“Já quis ser freira, e também puta”, é o que ouço de mulheres (e do meu próprio inconsciente) que, cansadas pela busca do equilíbrio, desejam a aposentadoria total das relações amorosas, simbolizada pelo celibato, casto ou, num corte oposto ao caminho do meio, a entrega a uma vida de luxúria e desejos profanos, o sexo pelo sexo, pelo prazer, por uma vida mais selvagem, ou, na hipótese mais capitalista lucrativa, o sexo pelo sustento, pela “boa” vida, inclusive modalidade bastante praticada também pelas mulheres casadas ou com um “único” parceiro.

Já no mundo masculino tenho ouvido que as mulheres “não querem nada”, “muito masculinizadas”, “elas estão se comportando que nem homens”, eles dizem. É, tudo bem, queimamos sutiã, brigamos por direitos equitativos, iguais jamais!!!! Não somos iguais aos homens e nem deveríamos pretender ser né mulherada??? A equidade começa no respeito às diferenças.

Do romantismo à putaria, as coisas seguem de forma bem bipolar por aí. Coisa de gente, acho. Muitos começam românticos na primeira parte da história, mas depois ouvimos a música completa, da Rosinha, parte I e II: ♩♫♪“Vou construir minha casinha, lá no alto do serrado, mas eu só levo a Rosinha, depois de tudo acabado.” Ai. Meu. Deus. Tudo tão lindo e primoroso, mas lá vem a segunda parte, como tudo na vida, e a música continua: ♩♫♪“Aí eu vendo essa meeeeerda, e encho o cú de dinheeeeeiro, e a Rosinha que se fôoooooda, eu vou morar num puteeeeeiro.”

Ahhhhhh merda, quanto desencontro!!!! Então, se amar é um talvez perigoso na decisão da entrega, ser amado é missão perigosamente duvidosa, já que depende também da entrega do outro. Aquele ditado nas negociações de que “tudo que é combinado não sai caro” deveria valer também pro amor né? Quanto disparate! Queremos tudo e nada, isto e aquilo, ser ímpar e par, singular e plural!!! Não é "ou isto" "ou aquilo". É isto e aquilo, piramos, ficamos atordoados! Não sabemos o que queremos e, quando achamos que sabemos, a vida muda o nosso desejo. 

Pior ainda quando você não pretendia ou não quis entregar nada e saiu da história furtada de todas as suas vontades. Como, sem a nossa autorização, o outro pode nos tirar o sono, nos levar o apetite, assaltar a nossa paz e sequestrar o nosso coração dessa forma?

Puta que o pariu vida!!! Ora somos mendigos esfomeados com a mão estendida, ora somos a mão que doa e que ergue. Ora somos assaltados de nós mesmos, outras vezes, bandidos atormentados roubando a paz e a lucidez alheia, mas, quase sempre,  perturbados  pela falta que nos move ou pelas sobras que nos entediam a cada dia.

Princesas, pelejas e...Hey!!!  Desce mais umas cervejas!

Mas, já que é primavera, e a Rosinha???





quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Por trás das "celas"


Hey, a vida prega peças mesmo. Tenho uma história pra contar de uma super querida, mas que poderia dizer que é a história nossa de cada dia na interseção do mundo real com o virtual. Cometi um ato falho. Aliás super falho. Sempre faço essas merdas!!! Que falta meu conjunto de parafusos completo faz... Segundo Freud,  o ato falho não representa um erro, um equívoco, uma falha comum, há algo, um significado mais profundo que precisa ser analisado. E quer saber, da minha parte, há mesmo! É como trocar o nome do marido pelo do amante. Tem um significado singular ou não tem???

Bem, melhor eu contar o caso. Ela baixou um aplicativo que permite que, em um raio de 500 metros, todas as pessoas que estão conectadas ao Facebook possam aparecer em sua telinha do celular e, caso ela “curta” a pessoa e ocorra a reciprocidade na curtição, uma tela se abre para que eles possam conversar. Apareceram conversas com gogoboys até caras que já iniciaram o bate-papo perguntando se ela fumava maconha. Ué, o que importa é apresentar o seu currículo e saber o do outro pra achar a tal cara metade que, juntando com a outra se tornaria então uma cara-de-pau inteira, com ou sem maconha, com ou sem dançarinos de sunguinha (pequenas e apertadas) no novo cenário da sua vida. Ok, sem moralismos babacas!!! Tem muita gente falando a "verdade" sobre si mas também alguns contadores de histórias, ou melhor, estórias. Conheci um ao vivo e a cores e que também tinha um "currículo" no site de relacionamentos "Par Perfeito". Figura única! Lá ele dizia ganhar mais que um promotor de justiça e na vida real era aquele cara tipicamente alérgico ao trabalho, acordava já mergulhado num balde de maconha e não sabia o que era trabalho fazia bastante tempo, apesar de se dizer empresário. Coisas da vida, ou melhor, da era virtual. Tem gente com foto no perfil fazendo quadradinho de oito e que diz ler Foucault... Bicho não dá, fica feio forçar a barra assim, faz isso não!!! Aliás que bicho daria se isso fosse possível? Tem coisas que são como água e óleo, não se misturam, quadradinho de oito e Foucault é uma delas.

Não acredito em posições radicais e isoladas, mas alguma coerência e razoabilidade ajuda a dar crédito aos pretendentes virtuais. Aliás, gosto muito de variar tudo, posições, papéis, opiniões e é claro, contextualizá-las rsrsrs.  Se por um lado as ferramentas digitais, as redes sociais, virtuais, aplicativos, sites, programas de relacionamento e blablabla são facilitadoras para aprofundar a conversa e permitir encontrar afinidades, por outro deixou a desejar no encontro do olhar, no gosto do beijo, no cheiro da alma, na proximidade do contato e do abraço profundo, aquele que sentimos o coração do outro bater junto com o nosso. E andar de mãos dadas (e suadas de nervoso), comer pipoca no cinema fazendo barulho, ficar com vergonha e ruborizar, rir juntos ou atrasados da mesma piada??? Tem preço não! É lindo demais!!!

Em algum momento, fiz uma intervenção que dizia a ela algo do tipo: “então me preocupa você viver grande parte da vida atrás das celas do computador e do celular”. Celas???? Eu disse celas!!! Sim, celas são prisões e isso é privação de liberdade. Tudo que priva a nossa liberdade nos captura, nos reduz, nos limita e é claro, afeta o mundo de possibilidades que poderíamos viver, ver, escolher, sentir...

Enquanto estamos vidrados na celinha, ops, na telinha, a vida passa a nossa frente e não sentimos, não vemos a presença do outro, nos perdemos do real e ficamos imersos, mergulhados no mundo da imaginação, vivendo mundos que desejamos estar, toques que queremos sentir, degustando desejos que nos fazem salivar, viagens que sonhamos fazer e querendo ser amados por um ser imagético que ao nosso lado não está. E se, perguntei a ela, no momento que você está obcecada na telinha, o amor da sua vida passasse ao seu lado e você nem o (re)conhecesse, ou melhor, nem se desse a chance de conhecê-lo??? Provoquei: a sua obstinação por conhecer alguém pelas ferramentas virtuais não poderia cegá-la para o mundo real???

A porra do “E SE” sempre espreitando a nossa vida...

Quando as reflexões já davam loopings na minha cabeça e antes que essas manobras acrobáticas de pensamentos detonassem por completo o meu cérebro, achei rapidamente um papel e caneta pra escrever  esses  fragmentos dilacerantes que inundavam a minha mente. Beleza, me salvei, vou elaborar, cheguei em casa, vou escrever assim que, depois de encher o filhote de beijos, ele adormecer. Meu filho (de 7 anos)  então, pede o celular emprestado e ao olhar para a telinha do celular vidrado diz: “coitadinho de você Pou, eu estava lá fora, no mundo sabe, vivendo?” É, vocês não sabem, mas o Pou é um serzinho que parece um cocozinho, que toma banho, que tem sentimentos, que cresce, que troca de roupas, que fica na moda, que come, enfim...  Tipo um tamagotchi, se é que isso ainda existe. É um ser “de verdade”, capitalístico e vivente como cada um de nós, acho.

Puta que o pariu, eu pirei!!! Como assim??? Meu filho, tem uma porra qualquer feia pra caraleeeeô com cara de cocô dentro do celular, do meu celular,  que ele estima e cuida, como se um bichinho de estimação fosse e que, ele se justifica pela ausência pois “estava lá fora, no mundo sabe, vivendo????????”. E o pior, me tornei avó de um ser virtual, sem saber, e nem simpatizei com ele.

Pára essa merda que eu quero descer. Ficou tudo esquisito!!! As pessoas passam mais tempo na frente das “celas”, ops, das telas, teclando, se comunicando, trabalhando, se divertindo, "namorando", se conhecendo, do que de fato se experimentando, se ouvindo, se acariciando, se olhando, se energizando de contato, se saciando de beijos, trocando o magnetismo das almas, sentindo coração com coração.

Nada nada nada, nunca nunca nunca e, ainda bem, vai substituir o brilho de um olhar, a doçura de um sorriso, um cheiro gostoso, um beijo saboroso, um abraço intenso, um amor imenso, um sexo envolvente, a presença da gente!

Que assim seja, com menos celas, teclas e telas. Mais coragem, paisagem e calibragem, de cenas reais é claro!!! As reflexões de Deleuze nos ajudam a conduzir novos movimentos, traçando o vir-a-ser do futuro, através de ações revolucionárias, linhas de fuga, espaços de novos respiros, ares, lugares, em busca de novos sentidos e paisagens. Eis a revolução!!! Quais são suas linhas de fuga, das celas, das normas, do vigente, dos padrões? Eu quero "medianeras" (veja abaixo o significado), e você???

E pra quem é cinéfilo como eu, a minha dica pra aprofundar a reflexão vai pro filme “Medianeras”. No Brasil o título ficou conhecido como:  “Medianeras: Buenos Aires na era do amor  virtual”.

Já assisti 3 vezes. É um belo filme argentino que questiona e problematiza, de forma bastante inteligente, a cultura virtual dos relacionamentos e mergulha no tema solidão e todas as facetas das suas linhas de fuga.  Pra quem não sabe, medianeras  é o nome dado a aberturas ilegais de janelas nos edifícios, também chamadas de paredes cegas.  Na Argentina é proibido por lei abrir janelas laterais, mas as pessoas descumprem a ordem, em busca de mais claridade, um apartamento mais arejado, em suma, de uma melhor qualidade de vida.  

Essa é a grande sacada e ponte que o filme faz com a vida. Vale muito a pena assistir!!! A obra recebeu os prêmios de melhor filme estrangeiro e melhor diretor no Festival de Gramado de 2011. Espero que aproveitem!!!