sábado, 1 de dezembro de 2012

Amores, bundas e pé na bunda


O pé na bunda (apesar da dor física insuportável, que reflete diretamente e de forma aguda no peito, irradiando no coração a sensação de ter sido triturado), gera impulso e força para se seguir em frente e por isso, pensando bem, deveria ser chamado de pé na estrada.

Quando levamos um desses e, diga-se de passagem: QUE MERDA! temos a oportunidade de sair por aí com a bunda na estrada, cabelo ao vento e sem direção. No início essa cena não parece nem um pouco hollywoodiana, até porque dói pracaralho, mas depois que se reaprende a ser feliz colado em sua própria companhia, é só empinar a bunda, colocá-la na estrada,  refazer o pacto com seu amor próprio e brindar com o espelho.

Pior quando “o” ou “a” debandante propõe: “vamos dar um tempo, encare isso como um tempo separados.” Putz, tradução: “pessoa babaca, fica aí me esperando com esse miserável e inconsolável coração enquanto eu ponho o pé na estrada e, se eu me arrepender, volto para o seu colo quente me aguardando.”

Ô coisa deprimente término de relacionamentos! A gente nunca vai ficar satisfeito (a) mesmo. Não tem jeito, você entrou com a bunda e o outro entrou com o pé, não há como ter uma finalização harmoniosa e igualitária. Não tem como ser digno. Ficar se questionando se foi por e.mail, se levou 5 minutos dentro do carro, se foi por telefone, na semana do seu aniversário, se foi inesperado, não importa, o essencial é que não será mais. Pare de chorar pitangas, amoras ou saudosos amores! A-C-A-B-O-U!

Acredite, ficar tentando entender o que você fez a mais ou de menos, identificar onde foi que errou, o que passa na cabeça de quem chutou a sua bunda, se tomou toddynho estragado, se foi ele (a) ou você quem deu defeito, se há outro ou outra na parada, se os astros estão de mau humor, se combinam ou não,
E-S-Q-U-E-CE! Nada disso te servirá para porra nenhuma.

Fato é: ele ou ela, não está mais ou nunca esteve a fim de você! A verdade peladona é que não houve disposição suficiente para resolver conflitos, transformar as crises em oportunidades, as diferenças em atitudes respeitosas e as conversas honestas em intimidade. Resumindo, não houve amor!

O sociólogo Bauman nos convida a uma reflexão no seu livro “Modernidade líquida” (vale a pena conferir) sobre a individualização nos dias de hoje pois “(...) o que aprendemos antes de mais nada da companhia de outros é que o único auxílio que ela pode prestar é como sobreviver em nossa solidão irremível, e que a vida de todo mundo é cheia de riscos que devem ser enfrentados solitariamente.”

Pena que muitas pessoas não acreditam mais que os relacionamentos podem trazer uma realidade alternativa, tornando os problemas mais fáceis de serem manejados, quando confrontados e trabalhados em parceria. As relações hoje são instantâneas e descartáveis, deu defeito eu me desfaço, elimino, jogo fora! Ninguém quer consertar, reconstruir ou cuidar de mais nada. E isso vai de celulares aos relacionamentos, tudo tão líquido, instantâneo, descartável.

Nesse ponto tenho um saudosismo meio masoquista pelas histórias de alguns casais, a maioria de “antigamente”, quando as pessoas eram mais dispostas a consertarem, negociarem e reconstruírem as coisas. Deu defeito, a gente conserta, está doente, a gente cuida, está triste, vou te arrancar um sorriso, está sem ânimo, vamos buscar juntos uma solução, faltou a grana a gente junta o que tem. A questão era trabalhar em conjunto, lado a lado. É lógico que não há como mumificar os processos, o mundo mudou, as pessoas mudaram, as gerações anteriores sofreram várias pressões e atravessamentos para não se separarem, mas em contrapartida as relações não eram tão descartáveis assim.

É tanto, que pasmem, é possível um ex. casal se cruzar na rua após o rompimento e se cumprimentarem com um tchauzinho patético. Lamentável essa cena cretinizante e insignificante pós relacionamento. “O” cara ou “a” cara partilhou dissabores e sabores contigo, drama e cama e, ops, derepente você pensa: que triste! Talvez fosse melhor nunca ter cruzado pela primeira vez com essa figura, quiçá agora, nessa faixa de pedestres.

Pior ainda são as explicações pra boi sonhar após tomar Rivotril. São mais trágicas muitas vezes que o rompimento em si. Porra, pára com essa lamúria de merda! Faltou amor e pronto!

Simplesmente agradeça o pé na bunda e saiba que as maiores inspirações e criações emergem depois de histórias de horror e dor. A cantora e compositora britânica Adele, estourou mesmo com toda a sua potência após seu namorado ter virado fanta uva, tendo preferido a cheirada no cangote de outro marmanjo à voz melodiosa da Adele ao pé do ouvido. Pois é, a vida é assim...

Podem me chamar de conservadora mas sou mesmo pré-histórica. Gosto mesmo é das coisas e pessoas com as quais já tenho uma relação de intimidade, gosto de celular que já sei mexer, aquele antigo que já sabe até a hora de me acordar e só troco quando não tem outro jeito. Gosto daquela conchinha tão perfeita que já tem o formato da sua bunda na barriga do outro e, é uma delícia amanhecer com a orquídea que você tem tatuada nas costas na pele do outro. Adoro aquele vestido que tem história, amo cheiro que tem memória. Gosto mais dos sapatos que já tem o forma do meu pé. Curto aquelas ruguinhas que mostram a doçura e um certo embaraço no sorriso do ser amado.

Verdade mesmo é que, quando “o” cara ou “a” cara quer, faz acontecer juntos e, é claro, vocês se tornam muito melhores e mais potentes.

Aceite que você deixou de ser (ou nunca foi) aquele sucesso deslumbrante, aquela cor cintilante, uma atração estonteante, um prazer inesperado, para se tornar uma perturbação ambulante na vida do outro (ou um caminhão de problemas como já ouvi por aí).

Mas vejam bem, verdade, verdade mesmo, verdade mesmo de verdade (pra mim é claro) é que UM GRANDE AMOR é fácil de se reconhecer, ele APENAS PRECISA SER COMO A BUNDA: MERDA NENHUMA SEPARA.

2 comentários:

  1. Fantástico, Claudinha!! :D

    Há dois meses levei um pé na bunda disfarçado por email e depois de tantos (mas na verdade os papéis se invertem, não é mesmo? ... ora é nossa bunda, ora é nosso o pé), já não senti qualquer surpresa.
    Será que já comecei a encarar os relacionamentos como mercadorias? Aproveitando a sua excelente citação de Bauman.
    Parabéns, vc escreve de forma deliciosa: íntima e objetiva... VOCÊ!!!

    Bjs!!

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    1. Amiga, comentário bacana!!! Legal também considerar que trocamos os papéis e o alerta para sermos cautelosos em naturalizar esse caráter descartável das relações.

      Saudades. Beijos e até o nosso reencontro.

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